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16 agosto 2017

A conta corrente...

in. "Farpas"
tomo XII
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"A nobreza e os mendigos - Conta corrente."
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Ramalho Ortigão esreveu esta pequena crítica
em
Setembro, 1871.
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Ramalho Ortigão
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"O acontecimento elegante deste mês foi uma tourada de Sintra, dada pela mocidade fidalga em benefício dos pobres daquela vila. O gado era bravo e os lidadores destemidos. Assistiu el-rei e a corte.
Esteve também o principe Humberto expressivo tipo de homem, em cujo olhar se revela a combinação internacional do mistério italiano e do spleen inglês. Sua Alteza tinha a expressão simpática, posto que talvez demasiado à moda, de quem se não considera o homem mais feliz do mundo. Dizia-se com louvor que o herdeiro da coroa italiana detestava todas as ostentações principescas -- o que veio a confirmar-se mais tarde quado se soube que Sua Alteza Real gratificara cada um dos remadores da galeota que o conduziu a bordo do seu navio, com a soma de 190 reis, mostrando assim não querer que o tenham por mais do que um pobre cidadão dotado de todas as virtudes de um cidadão pobre. Honra lhe seja!
Alguns dias depois da festa os periódicos publicaram os resultados financeiros dela, em uma conta concebida pouco mais ou menos nos seguintes termos:
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Conta da nobreza com os mendigos de Sintra
Produto do espectáculo......................................1.082,440
Despesa feita ....................................................945,980
Deve a nobreza aos mendigos...............................   136,460
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Alguns periódicos, ao mencionarem este saldo, exclamaram:
- Apenas!
Não nos parece que em tal caso tenha essa palavra da imprensa um perfeito cabimento. Suponhamos nós que a concorrência dos espectadores tinha sido de ametade do que foi, a conta, variaria logo da maneira seguinte:
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Conta dos mendigos de Sintra com a nobreza
Produto do espectáculo......................................   541,220
Despesa feita ................................................... 945,980
Devem os os mendigos à nobreza............................  404,760
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...Ora, só neste caso é que os periódicos se deveriam permitir a liberdade de principiar a dizer:
- Apenas!"
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Já lá vão 146 anos, e "as coisas" não mudaram muito...
Continuamos a verficar que, depois das "festas" organizadas por uns quantos nobres"são sempre os mendigos que devem à nobreza". 

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