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16 março 2017

Nas revistas masculinas...

Num texto publicado em 
13 de Janeiro de 2008
na Revista Pública
por
Faíza Hayat
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Faíza Hayat
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Todos os meses gasto algum dinheiro em revistas masculinas. Compro várias. Fiz-me até assinante da “Esquire” espanhola, quando a revista lançou o primeiro número, há poucos meses. Onde mais, senão em revistas masculinas, é possível ver, digamos, o modelo americano Brad Kroening com barba de três dias ou o actor britânico Naveen Andrews a correr despenteado?
Certamente não em revistas para mulheres, cujas páginas estão cheias de… miúdas.
É simples explicar este meu sexismo de macho: as boas revistas masculinas são, basicamente, sobre “homens no seu melhor”, como diz o lema da “Esquire” desde há décadas.
Confesso que o melhor dos homens é a única coisa que eu aprecio neles.
Quando têm classe, as revistas para homens são como os perfumes masculinos: caem muitíssimo bem a uma mulher, muitíssimo melhor do que os produtos “femininos”. E, sem dúvida, caem muitíssimo melhor do que a um homem.
Do que os homens de bom gosto gostam eu também não vivo sem: boa roupa (e não é preciso ser cara), bons “gadgets” (e não precisam de ser inúteis; comprei no Natal uma câmara fotográfica digital “soft touch” verde limão, linda!), “coulness” (e não precisa de ser petulância), garotas (e não precisam de ser estúpidas, nem de estar nuas, o que parece ir uma-coisa-com-outra), carros (e não preciso de poder comprá-los), filmes, restaurantes.
Chega-me, por diferentes vias “noticiosas” (basta abrir o portal do meu webmail), a antecipação da grande entrevista da supermodelo Naomi Campbell com o ex-páraquedista venezuelano Hugo Chavez, na edição de Fevereiro da GQ britânica.
Fiquei curiosa.
Naomi é a nova colaboradora editorial da GQ. Anuncia-se uma série de entrevistas com personalidades da política, do entretenimento e da moda.
Em antecipação, Naomi resume Hugo Chavez como um “anjo rebelde”, diz que lhe pediu para ele doar dinheiro à Fundação Mandela e admite que lhe interessou na entrevista apenas “o homem”, sem “julgar” as suas “visões políticas”.
Naomi revelou também que os venezuelanos estão mais felizes que há 10 anos, quando ela esteve na Venezuela para uma sessão fotográfica da revista Sports Illustrated.
Do lado do Presidente da Venezuela, ficámos a saber que Fidel Castro é o líder mundial com mais estilo e que tem as botas sempre bem engraxadas e o uniforme sempre bem engomado.
Hugo Chavez convidou também Naomi a apalpar-lhe os músculos, em resposta a uma pergunta sobre se o Presidente da Venezuela se deixaria fotografar em tronco-nu, como o Presidente Putin da Rússia.
Fico perplexa com tanta estupidez de ambos os intervenientes. É claro que vou comprar a GQ de Fevereiro.
Ler para crer.
Pergunto-me, entretanto o que milhares de vítimas do regime cubano pensarão do barbudo engomado. Talvez Naomi, que está tão cingida aos velhos códigos dos jornalistas, possa abusar um pouco da entrevista estilosa com Chavez e discorrer sobre o que vê Fidel quando olha para a biqueira das suas próprias botas: talvez a imagem nítida e sombria de um país em derrocada.
As revistas masculinas também têm este lado:os homens revelam melhor o seu lado idiota quando julgam que estão perante uma mulher estúpida, só porque ela é uma mulher bonita. Naomi, por ironia, tem reputação de ser melhor do que o fez para a GQ.
Mas talvez o lado inteligente das mulheres não interesse aos homens? Aí está uma resposta que ainda não encontrei nas revistas masculinas. Fico, por isso, com um problema nas mãos: a beleza, quando abdica da inteligência, ganha contornos de monstruosidade.
Entre a bela e o monstro, versão modelo e Presidente, não sei quem é afinal bonito.
Talvez nenhum, engolidos em tontice.
Folheio um número da “Esquire” e refugio-me, por minutos, numa entrevista à moda antiga, feita por um redactor anónimo. Fala Iggy Pop, um homem no seu melhor. “O sexo mede-se melhor que o amor. Sabes logo a seguir se foi bom ou não”.
Ora bem.
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In. Revista “Pública
13.01.2008

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