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20 julho 2013

Ninguém chame por mim...

... um poema de 
Pedro Homem de Melo
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Pedro Homem de Melo
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Anunciação
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Quando nas ruas não houver ciganos,
Nem árabes na praia sequiosa,
Nem sereias no mar, nem uma rosa
Se desfolhar os dedos desumanos,
Quando as mãos brancas, rudes, que hoje afago
Destruírem na praça estátuas falsas,
Quando o vento varrer lajes descalças,
Em torno do meu lago,
Quando o antigo jardim ficar desnudo,
Tal qual a serra agreste,
Quando o faquir rasgar a sua veste
De púrpura e veludo,
E quando o cisne em último bailado
Exausto se prostrar
E a sombra e o seu exército pesado
Entrarem no solar,
Ai! quando as naus pela maré salgada
Se afundarem com oiro, vinho e pão,
Quando a volúpia não tiver estrada
E a beleza e a mentira também não,
Quando os lábios da virgens, porto em porto
Ao vento e às noites não pedirem nada
(Quando a volúpia não tiver estrada!)
Ninguém chame por mim, que estarei morto.
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Pedro Homem de Melo
in. Bodas Vermelhas/1947

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