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18 março 2013

O cobrador de impostos...

... um artigo escrito por João Cordeiro
e publicado em "Espaço Público", no
Domingo, dia 17 de Março de 2013, no jornal
Público.

Dr. João Cordeiro
.

O anterior director-geral de Contribuições e Impostos é hoje ministro da Saúde.
Muitos pensarão que este percurso é estranho e não faz sentido nenhum.
Como é que um cobrador de impostos pode ser designado para gerir a política da Saúde de um país?
Compreendo as dúvidas, mas, em minha opinião, aquele percurso faz todo o sentido.
O dr. Paulo Macedo não foi designado ministro da Saúde para gerir a política de Saúde. Disso, ele sabe pouco.
Foi designado ministro da Saúde pelo seu sucesso na cobrança de impostos, quando esteve no Ministério da Finanças.
O que se pediu ao dr. Paulo Macedo não foi uma visão inovadora da política da Saúde. Era pedir de mais.
O que se lhe pediu foi para gastar menos.
É isso que o ministério tem feito.
Se lhe falta dinheiro para atingir as metas da troika, reduz os preços e as margens aos fornecedores e as comparticipações aos doentes.
Mas isso não é política de Saúde.
Isso não é mais do que uma forma indirecta de arrecadar impostos e sem qualquer controlo da Assembleia da República.
Como o ministério da Saúde é o principal consumidor dos serviços de saúde e tem o poder legislativo nas mãos, nem precisa de pensar a fundo nas questões
Aumenta a receita e reduz a despesa sempre que quiser e na medida em que quiser.
O ministro Paulo Macedo é mestre nesta “política” de cobrar impostos e não revela a menor preocupação com as suas consequências nos sectores económicos e profissionais na área da Saúde.
Mas a política mede-se pelos seus efeitos.
Ora, o ministro Paulo Macedo está a deixar atrás de si um rasto de destruição em diferentes sectores da área da Saúde.
Herdou uma rede de farmácias equilibrada e de qualidade, em que a população confiava.
Transformou-a em menos de dois anos num sector em processo acelerado de destruição: 300 milhões de dívidas aos fornecedores, 1600 farmácias com suspensão de fornecimentos e 250 farmácias em processos de insolvência e penhoradas.
É este o saldo da sua governação em relação às farmácias.
Confrontado com a crise, finge que não percebe ou que não tem nada a ver com isso.
Tem medo do diálogo e refugia-se no silêncio.
Mais grave do que isso, não revela em relação aos sectores públicos da Saúde que tutela a mesma arrogância que revela com os sectores privados.
O consumo hospitalar de medicamentos, por exemplo, que está sob a sua gestão, é hoje exactamente igual ao consumo verificado quando o actual ministro tomou posse.
Não poupou até hoje um único cêntimo nesse consumo, apesar de constituir uma despesa pública anual na ordem dos dois mil milhões de euros.
O ministro Paulo Macedo é um dos heróis da troika, mas esse heroísmo, muito apreciado por autoridades estrangeiras, não corresponde aos interesses do país.
Deixa atrás de si um sistema de saúde em regressão, em crise de valores, menos solidário, pior, portanto, do que aquele que encontrou.
Deixa um Serviço Nacional de Saúde à deriva, com profissionais desmotivados e sem esperança no futuro.
Ainda não se percebeu quais são as linhas orientadoras da política deste Governo em relação à Saúde.
Este ministro só vê troika e défice público. E o pior é que vê de mais.
Não se percebe o ar distante e arrogante que exibe diariamente aos portugueses.
Possivelmente ainda não se apercebeu que já não é director-geral das Contribuições e Impostos.

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