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29 maio 2012

As Actas da Câmara... 27 10 1959 (cont.)

Sessão de 27 de Outubro de 1959
…realizou-se a reunião ordinária semanal, sob a presidência do Excelentíssimo Senhor Manuel Filipe Pereira da Silva Magalhães Mexia, estando presentes os vereadores, Doutor Joaquim Arco, Doutor José Caldeira Areias, Eng. António Barroso, Joaquim Rodrigues Simões, Raul Veríssimo de Mira e Afonso Henriques Rocha
Assistiu à reunião o Primeiro-Oficial da Secretaria (Carlos Gentil) (?)
O átrio da Câmara Municipal

(Cont.)
Seguidamente, o Senhor Vice-Presidente disse:
“Dando plena concordância ao que o Senhor Presidente nos acaba de expor, julgo que toda a Câmara o deve acompanhar; na certeza de que não podemos ficar indiferentes sobre um assunto que tanto interesse tem para esta terra.
O valor económico-social de uma unidade fabril como aquela que se pretende instalar em Setúbal, deve merecer-nos o nosso maior entusiasmo e o nosso maior apoio, uma vez que constitui um importante valor económico, que certamente ajudará a resolver o mais grave problema desta terra.
Em 1940, em trabalho apresentado a uma Sociedade Médica, afirmava eu que, Setúbal considerada a terceira cidade de Portugal em população é essencialmente um meio industrial, sendo a sua principal indústria a fabricação de conservas de peixe, que avulta enormemente entre todas. Com a crise que de ano para ano se vem acentuando nesta indústria, os sem trabalho são cada vez em maior número, aumentando a mendicidade de forma assustadora. População depauperada, mercê de uma alimentação deficiente, não tendo nas suas casas a menos sombra de higiene, n
Mas onde existe em abundância a miséria e a promiscuidade, fácil é pensar que o meio é óptimo para o desenvolvimento das doenças infecto-contagiosas.
É pelas razões que citei que estes males existem; são de causa social e esta é bem poderosa para a difusão da doença
Não serão ainda hoje mais verdadeiras estas palavras?
Apontam-se vários inconvenientes; indicam-se consequências gravíssimas resultantes da laboração de tal indústria. Estude-se seriamente e sem paixão o problema e os técnicos em tal matéria que se pronunciem, na certeza de que se as vantagens sobrelevarem quaisquer inconvenientes que porventura sejam inerentes a esta indústria, julgo que o caminho é defender a todo o transe, a sua instalação nesta cidade.
Parece-me ser função primordial de todos nós procurar contribuir para uma melhoria económico-social da terra que amamos, a que pertencemos ou já adoptámos.
O Senhor Vereador Doutor Joaquim Arco afirmou:
No debate em curso suscitado pela instalação da Celulose, desejo frisar a circunstância de ser em Setúbal extraordinariamente baixo o número de setubalenses que frequentam o ensino secundário. A este sintoma que revela um deplorável nível económico, acresce outro não menos significativo: a ausência e indiferença pelas actividades e manifestações culturais na cidade que, sendo a terceira do país em população, deve ser a última na matéria que se está tratando. Este último facto é tanto mais de estranhar quanto é certo estar na índole do povo setubalense e nas tradições da cidade a tendência para o fenómeno artístico.
Estou convencido que tal estado de coisas deriva principalmente da estrutura económica actual que assenta em actividades decadentes e empobrecidas.
O nível intelectual e cultural só poderá desenvolver-se com o progresso económico, com a modificação da economia em termos que permita vida estável e desafogada. Está comprovado que é nos países, regiões e cidades consideravelmente industrializadas que mais floresce o desenvolvimento cultural e artístico. No nosso país é frisante o caso da cidade do Porto, cidade de chaminés, de fábricas e oficinas, mas também de poderosa vitalidade cívica, intelectual e artística.
No aspecto de turismo desejo, como pessoa interessada e ligada aos seus problemas em Setúbal, exprimir a convicção de que os seus interesses não deverão ser grandemente afectados pela instalação de uma indústria que, embora considerada incómoda, se vai situar a apreciável distância e para montante da cidade e da região de maior valor turístico.
A seguir, o Senhor Vereador Engenheiro António Barroso disse:
A propósito das palavras do Senhor Presidente manifestou-se francamente pela necessidade urgente da instalação de novas unidades fabris em Setúbal acrescentando que a sua experiência e conhecimentos adquiridos no já longínquo exercício da sua profissão de engenheiro numa grande empresa, o habilitou a afirmar que só através do trabalho certo, dentro de uma determinada especialização permite obter-se, com remuneração constante e compensadora, mão de obra eficiente, não apenas porque da prática continuada da profissão advém o aperfeiçoamento como também porque da estabilidade económica do agregado familiar resulta a despreocupação, a boa disposição e alegria de viver com evidentes reflexos no rendimento do trabalho, nas
relações sociais dos operários, no próprio equilíbrio familiar.

Por essa razão e por outras que se dispensa de enumerar entende que a Câmara, pretendendo defender efectiva e eficazmente os interesses do concelho e lutar por uma vida melhor para os seus munícipes tão duramente atingidos pelo atraso económico da região, tem o indeclinável dever de tudo tentar no sentido de que venham a instalar-se no concelho novas indústrias, particularmente indústrias que consigam trazer, como a celulosa, condições de vida estável à numerosíssima classe dos economicamente débeis.
Quanto aos inconveniente que vêm sendo apontados e que constituem compreensível receio de determinadas actividades prefere não emitir opinião, por não estar na posse de elementos suficientes; ocorre-lhe no entanto, à cerca do falado prejuízo para a exploração ostreícola, que no Tejo as ostras continuam a ser aproveitadas não obstante as grandes quantidades dos n«mais variados detritos tóxicos lançados constantemente no rio pelas indústrias químicas existentes nas duas margens, designadamente no Barreiro. Além disso, tem conhecimento de que em países, intensamente industrializados, existem unidades como a projectada, escalonadas ao longo de cursos de água juntamente com outras unidades industriais que da mesma água têm necessidade vital. O problema da poluição está estudado de modo que os efluentes das unidades a montante não prejudiquem a laboração das unidades situadas a jusante. Esse problema encontra-se pois resolvido pela técnica moderna.
Ora, uma unidade moderna como a que se projecta para Setúbal, vai certamente aproveitar do que de mais perfeito existe lá fora. (cont.)

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