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26 novembro 2011

O fim de uma era

Alguns excertos de Miguel Sousa Tavares
no seu “espaço” semanal , no Expresso de hoje


Miguel de Sousa Tavares

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Há dois grandes luxos em trabalhar por conta própria: um, é a administração do próprio tempo, outro, é a satisfação de não ter de responder perante incompetentes nem ter de responder por incompetentes.
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Recordo isto a pensar na greve geral e no “manifesto de esquerda”, encabeçado por Mário Soares. Do que tive ocasião de me aperceber, a greve geral seguiu o roteiro habitual: paralisaram os trabalhadores do sector público e trabalharam os do privado que o conseguiram. Se é certo que muitos trabalhadores de empresas privadas não fizeram greve por medo das consequências ou por temerem a situação da empresa (considerações que não se colocam aos trabalhadores de Estado) , muitos mais, do sector privado ficaram em casa apenas porque a CGTP controla por inteiro o sector dos transportes públicospor acaso ou não, a grande ruína económica do país.
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Há agora uma tese que defende que as greves gerais e as grandes manifestações onde a CGTO demonstra demonstra regularmente o seu poder de canalização e mobilização do descontentamento (a UGT faz apenas de figurante, mais ou menos forçado ou convicto) são um providencial mecanismo de escape, sem o qual tudo seria pior. A CGTP será assim. Ironicamente, o garante do regular funcionamento das instituições democráticas, evitando cenários mais sérios do que o vivido em frente da Assembleia da República e tão desejado por Vasco Lourenço e Otelo. Pode ser que isso seja verdade, mas não impede a existência de uma opinião pública largamente maioritária , que sente que não é uma greve geral nem uma luta sindical pelos métodos de sempre que trará uma alternativa a um mundo em desagregação. Em que nós somos apenas uma casca de noz num oceano revolto.
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…não deve haver ninguém de boa fé que não tenha percebido que a situação é tão simples como dramática: passámos décadas a endividar-nos a credito sobre o que não produzimos e, no imediato, ou aceitamos as condições dos prestamistas ou ficamos entregues a nós próprios e à inevitável falência geral – do Estado, das empresas e das famílias.
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É evidente que os célebres mercados têm de ser domados—e podem sê-lo, se houver vontade política para tal: não podemos continuar a prestar vassalagem, como se de divindades se tratasse, a agências de notação que nos obrigam a entrar em recessão para não nos baixar o ratting dos empréstimos e depois nos baixam o ratting porque entrámos em recessão. Não podemos continuar a tolerar o dumping social e fiscal e o crime das offshores, cujo fim é sempre anunciado, como na recente cimeira do G20, e jamais concretizado.
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O mundo confortável que nos prometeram e em que quisemos acreditar acabou. Tentar ressuscitá-lo é inútil, só apressará a desgraça final. A tarefa da esquerda é salvar o que ainda tem préstimo e reinventar um caminho novo num mundo novo e infinitamente mais complexo e atribulado.
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Por Miguel Sousa Tavares
In. Expresso – 26 11 2011

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