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21 abril 2010

O melhor professor da América...

Um artigo de Nuno Crato
no "Expresso"
de 17.04.2010

Nuno Crato
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"Chamava-se Jaime Escalante e o seu falecimento foi assinalado em todos os Estados Unidos com notícias de primeira página. O Presidente Obama disse que, “ao longo da sua carreira, Jaime abriu as portas do sucesso e da continuação dos estudos aos seus estudantes, um a um, e provou que de onde se vem não tem de determinar até onde se vai”. É uma declaração que deveria ser repensada sempre que se ouve que não se deve exigir mais dos estudantes, com o argumento de que isso prejudicaria os que provêm de meios mais desfavorecidos. De onde se vem não tem de limitar até onde se vai.
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Jaime Escalante foi um professor de matemática que se tornou muito conhecido nos Estados Unidos. Escreveram-se livros sobre o seu trabalho e chamaram-lhe “o melhor professor da América”. A sua história foi contada num filme de grande sucesso, “Stand and Deliver”, onde a sua figura foi representada pelo actor Edward James Olmos. O filme descreve a sua luta para conseguir que estudantes vindos de um bairro problemático conseguissem aprender matemática pré-universitária e assim prosseguirem os estudos. Era o chamado Advanced Placement (AP), um programa de estudos mais exigentes que os estritamente necessários no final do ensino secundário.
Jaime Escalante usava todos os meios para motivar os seus alunos. Conta-se que, por vezes, usava carrinhos de brinquedo para explicar derivadas, que fazia truques de cartas para expor probabilidades e que passava música rock nas aulas para apresentar funções trigonométricas. Mas nunca ficava por aí. O essencial da sua motivação era o trabalho. Dizia e escrevia que “a chave do meu sucesso com estudantes de minorias consiste apenas numa tradição simples e honrada: trabalho duro, tanto do estudante como do professor”.
Incentivava os alunos ao trabalho sem simplificar as matérias. “O cálculo não precisa de ser tornado fácil”, escrevia em slogans que pendurava na sala de aula, “o cálculo já é fácil”. O necessário é ter vontade de aprender, ter “ganas”, como dizia aos seus estudantes de origem latino-americana.
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A sua história pessoal é também admirável. Nasceu na Bolívia, filho de professores primários, e deu aulas em La Paz. Na sequência de problemas políticos no seu país, emigrou para a Califórnia, onde serviu à mesa de uma cafetaria enquanto estudava na universidade. Em 1973 licenciou-se em matemática na Universidade do Estado de Califórnia e em 1974 começou a ensinar no liceu Garfield, nos subúrbios de Los Angeles. Em 1982, a sua turma candidatou-se ao exame avançado (AP). Todos passaram e, em 18 alunos, sete receberam a nota máxima. Os examinadores suspeitaram de fraude e obrigaram os que quisessem manter as suas notas a fazerem de novo o exame. As notas foram confirmadas. A partir daí, as aulas do professor Escalante passaram a atrair centenas de estudantes. Os alunos vinham mais cedo e tinham lições suplementares aos sábados. O “establishment”, claro, opôs-se. Os sindicatos tentaram proibi-lo de fazer ‘horas extraordinárias’ e os teóricos da educação da Califórnia opuseram-se a que tivesse estudantes a mais nas suas aulas. No dia em que Jaime Escalante faleceu, com 79 anos, a sua escola em Garfield ostentava orgulhosamente uma faixa, com apenas uma palavra escrita: “Ganas”.
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Nuno Crato é Professor Associado com Agregação de Matemática e Estatística no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa. É pró-reitor para a Cultura Científica da Universidade Técnica de Lisboa. Licenciou-se em Economia no ISEG. Doutorou-se em Matemática Aplicada nos Estados Unidos e trabalhou depois nesse país muitos anos, como investigador e professor universitário. O seu trabalho de investigação incide sobre processos estocásticos e séries temporais com aplicações várias, nomeadamente computacionais, climatéricas e financeiras.
É presidente e coordenador científico do Centro FCT Cemapre e membro de várias sociedades científicas internacionais, nomeadamente da American Statistical Association e do International Institute of Forecasters. Foi Presidente do International Symposium on Forecasting em 2000. Tem trabalhos de investigação publicados em diversas revistas internacionais da especialidade, nomeadamente Statistical Papers, Communications in Statistics, Journal of Econometrics, Economic Letters, International Journal of Forecasting e Journal of Forecasting.
É presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e membro dos corpos gerentes do Fórum Internacional de Investigadores Portugueses (FIIP).
Em paralelo com o seu trabalho académico, está empenhado na divulgação científica. Colabora regularmente na imprensa, principalmente no semanário "Expresso" onde
mantém desde 1996 uma coluna semanal de divulgação científica.
É membro da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores (APAA) desde 1997.

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