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28 fevereiro 2008

Pedro Homem de Melo

Povo
é o título do poema mais mediático
de Pedro Homem de Melo.
É este o título que surge no livro
"Miserere" que publicou em 1948.

Pedro Homem de Melo
(retrato de Júlio Resende)
.
Pedro Homem de Melo nasceu em 1904, na cidade do Porto. Formou-se em Direito depois de ter frequentado a Universidade de Coimbra e de Lisboa. Exerceu as profissões de advogado e de professor de Português e de Literatura Portuguesa no ensino técnico, tendo dirigido uma escola no Porto.

Para lá da poesia, área em que se notabilizou, foi investigador de temas ligados à poesia popular portuguesa e ao nosso folclore tradicional. Neste domínio escreveu vários ensaios, coordenou e apresentou programas de rádio e televisão.

Contemporâneo da geração da "Presença", a sua poesia expõe duas facetas complementares: uma, de raíz popular, é visível, nomeadamente, nos temas lifgados ao povo do Minho, na rima e na métrica que mantem em toda a sua obra; a outra opta por um registo lírico e confessional que nunca abandona.
Faleceu em 1984, na cidade natal.
cfr."Poesias escolhidas"
Edições Asa
.
Povo

Povo que lavas no rio
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia…
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão…
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros a fonte?
Guardo o jeito desses braços…
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama…
Tive a mesma condição
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las…
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão
Rasguei certo corpo ao meio…
Vi certa curva em teu seio…
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão…
Povo! Povo! Eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso.
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,

Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
.
Conheci no Porto, entre 1956 e 1958, o poeta Pedro Homem de Melo.
Nesse tempo, com alguns colegas de curso, frequentei o Café Diu, na rua da Boavista, ali à Carvalhosa, bem próximo da Faculdade de Farmácia e da velha Igreja da Cedofeita. Era ali que também parava o Dr.Pedro Homem de Melo de quem tenho algumas recordações inesquecíveis.
Sempre que entrava no Café e se sentava para tomar a sua bica, havia uma coisa que ele sempre fazia! Engraxava os sapatos... Se entrasse duas ou três vezes, eram duas ou três engraxadelas! O rapaz a quem competia aquela limpeza já nem esperava pela chamada do Poeta... Levantava-se logo com a caixa e ia postar-se na mesa onde se tinha sentado o Senhor Doutor.
Pedro Homem de Melo tinha um vozeirão inconfundível, como provavelmente se lembrarão alguns da maneira como se expressava nos programas televisivos que durante anos manteve na RTP. E falava sempre alto... para que fosse bem ouvido!
Uma tarde, para meu espanto e dos meus colegas (lembras-te Roberto Salema?!... Lembras-te Júlio Crespo?... E tu, Manuel Ferreira, lembras-te também?!...O que é feito de ti?...) que numa mesa ao seu lado nos debatíamos com a proximidade de uma qualquer frequência, vimos aquele vulto levantar-se da cadeira, com um pé no chão e outro pousado ainda na caixa do engraxador, com este absolutamente estupefacto, voltar-se para o balcão e dizer em tom teatral:
"Oh! Senhor Doutor Alexandre... O seu engraxador está-me a apalpar as pernas!!"
O Dr. Alexandre era o dono do Café Diu... um licenciado em medicina que não exercia a profissão e que se dedicou à exploração daquela propriedade familiar que era o "Café Diu", pelo qual passaram gerações e gerações de licenciados em Farmácia, em Engenharia e nos mais variados Cursos da Faculdade de Ciências do Porto.
A "tirada" do poeta também não teve um èxito muito grande... até porque todos ali conhecíamos a sua maneira de ser...Só que os tempos eram outros e o pobre do rapaz engraxador sofreu ainda com aquela "brincadeira" de poeta!

1 comentário:

Manuel Queiroz disse...

Um belo texto. Uma memória partilhada. Quantas vezes no Diu, que na altura era quase a minha "segunda casa", subi do "meu" bilhar e do "meu" snooker, para conversar com Pedro Homem de Melo, habitualmente sentado no "salão de chá" ao fundo do Café Diu.