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24 agosto 2007

António Gedeão

Cavalinho, cavalinho

Corria o meu cavalinho
quando acordei de repente
Mas que lindo cavalinho!
Tinha a brancura do linho,
e um olho muito verdinho
fluorescente.

Corria, corria, corria, corria,
corria e espinoteava,
galopava e relinchava
numa autêntica euforia.

Corria, corria, corria, corria,
e de repente estacava,
e novamente corria,
corria e espinoteava
numa doida correria.

E em cada vez que corria,
E em cada volta que dava,
sua crina se agitava,
se espargia e sacudia
num jeito que se diria
ser assim que lhe agradava,
ter prazer no que fazia.
E o cavalinho corria,
corria sempre, corria,
na senda que rescendia
na manhã do laranjal.
O solo fofo gemia.

Brandos, os ramos teciam
acenos de ritual.
Tenros, os pomos tremiam
no compasso musical.

Sobre a garupa de neve,
abraçado ao seu pescoço,
eu era uma pena leve
soprada com alvoroço.

Se ele corria, eu corria,
se ele saltava, eu saltava,
tudo quanto ele fazia,
todas as voltas que dava,
tudo, tudo eu repetia,

na mesma doida euforia
que cansava e não cansava.

Mas que lindo cavalinho!
A sua crina macia,
loira de barbas de milho,
deixava um estendal de brilho
na senda que percorria.
Apetecia mexer-lhe,
sentir-lhe o fofo e o calor
daquela crina macia
que agitava e sacudia
como um doirado vapor.
Mas que lindo cavalinho!
Meu amor!

Não tinha sela nem brida,
nem cabeçada nem freio,
nem qualquer espécie de arreio
que lhe ofendesse a nudez.
Era um ser vivo total,
num emaranhado de vida
num gozo todo animal:
crina de loiro brunida,
corpo de branco cendal,
cascos da ágata polida,
ferraduras de cristal.


Mas que lindo cavalinho!
Senti-lhe o bafo cheiroso,
o tumulto harmonioso
do trote das nédias ancas.
Chamei-lhe os mais lindos nomes:
flor de nata, lua cheia,
floco de espuma na areia.
poço de camélias brancas

Beijei-lhe o focinho ardente,
mordisquei-lhe o corpo nu.

(que eu sabia, intimamente,
que o cavalinho eras tu.)

António Gedeão

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