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16 julho 2007

Quando a abstenção vence, vence o quê?

A "Opinião" de Pedro Santos Guerreiro
no Jornal de Negócios on line
16.07.07, às 11:23

Lisboa é uma cidade acelerada, Capital com ambições de cosmopolitismo mas ciclópica no seu centralismo; tem mais actividade política e económica que qualquer outra paragem portuguesa; é a mais rica e tributada das regiões; aí circulam 8,1 milhões de turistas por ano, com 12 milhões a aterrar na Portela; há meio milhão de automóveis em trânsito por dia e 235 milhões de passageiros nos autocarros públicos por ano.

Pois nesta cidade grande, à volta da qual gravitam 2,1 milhões de pessoas; onde, dessas, vivem 556 mil; onde votam 532 mil eleitores; onde há doze candidatos a uma Câmara Municipal aprisionada por gravíssimos problemas financeiros; nesta cidade foi ontem eleito um líder. Por cerca de 60 mil pessoas.

É um resultado miserável. Se fosse um referendo, não era vinculativo e nada decidia, por falta de representatividade. Que representatividade tem então o sufrágio deste fim-de-semana? E como é possível que haja quem grite "vitória"?

A vitória foi da abstenção. O que significa que derrotados estamos todos. Só uma cidade sem esperança volta tão nitidamente as costas às urnas.
(...)
Mas nada disto tapa o essencial. Uma abstenção tão elevada não pode ser entendida como uma prova de falta de crença nas pessoas e nos projectos a votos.
De duas uma:
ou os eleitores não se mobilizaram por desmotivação e isso é um sinal amarelo ao sistema;
ou, semáforo encarnado, eles mobilizaram-se motivados por uma expressão expontânea e silenciosa de reprovação não ao sistema mas aos políticos que por lá andam.

Esses mesmos políticos franzirão agora graves sobrolhos de preocupação. Mas a coisa passa-lhes rapidamente. Pedir reflexão aos partidos sobre estes resultados é inútil. A tendência vem de longe e, tirando os rescaldos eleitorais, mais ninguém se lembra que, tirando a expressiva votação em Cavaco Silva (que foi eleito com o voto de 2,7 milhões de portugueses), os nossos deputados e muitos presidentes de câmaras foram eleitos por percentagens que escondem números relativamente baixos de votantes.
(...)
António Costa ganhou as eleições mas não ganhou uma cidade. A única vantagem que tem é que as expectativas são baixas - e é mais fácil surpreender quando se espera pouco do que cumprir grandes desígnios. Mas até lá, talvez se deva pensar em expandir os meios de votação à Internet. Mas sobretudo perceber que, como acontece na economia, quando a "procura" não compra um produto é porque a "oferta" não satisfaz as necessidades. O problema é sempre da oferta. Dos partidos. Dos políticos. Dos governantes. Das oposições. E da democracia.

Não é preciso ser-se lisboeta para se perceber bem este texto!!!

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