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11 abril 2007

Gonçalves Crespo

O Juramento Árabe

Baçus, mulher de Ali, pastora de camelas,
Viu de noite, ao fulgor das rútilas estrelas,
Vail, chefe minaz de bárbara pujança,
Matar-lhe um animal. Baçus jurou vingança,
Corre, célere voa, entra na tenda e conta
A um hóspede de Ali a grave e inulta afronta.

“Baçus, disse tranquilo o hóspede gentil.
Vingar-te-ei com meu braço, eu matarei Vail”.

Disse e cumpriu.
Foi esta a causa verdadeira
Da guerra pertinaz, horrível, carniceira
Que as tribos dividiu. Na luta fratricida,
Omar, filho de Anru, perdera o alento e a vida.

Anru, que lanças mil aos rudes prélios leva,
E que em sangue inimigo, irado, os ódios ceva.
Incansável procura – e é sempre em balde – o vil
Matador de seu filho, o tredo Mualhil
Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,
Recém-colhido em campo, o indómito guerreiro
Falou, severo, assim:
“Escravo, atende e escuta:
Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta,
Em que vive o traidor Mualhil, diz a verdade;
Dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!”

E o moço perguntou:
“É por Alá que o juras?”
“Juro” – o chefe tornou.
“Sou o homem que procuras!
Mualhil é o meu nome, eu fui que espedacei
A lança de teu filho e aos pés o subjuguei!”

E, intrépido, fitava o atónito inimigo.

Anru volveu: “És livre, Alá seja contigo!”

De “Nocturno



Gonçalves Crespo foi o primeiro e mais conhecido parnasiano da literatura portuguesa.
Nasceu no Rio de Janeiro em 1846, de mãe negra e, vindo para Portugal, formou-se em Direito.
Pelo seu talento e delicadeza insinuante, sempre teve à sua volta muitas admirações, entre elas a de Maria Amália Vaz de Carvalho, com quem casou.
As suas poesias Miniaturas (1870) e Nocturnos (1872) revelam “essencialmente um poeta de efemérides, um repórter em verso, um cinzelador de miniaturas, um pintor de mulheres” (Urbano T. Rodrigues)

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