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29 março 2007

A referência

Público
29.03.2007,
Helena Matos


Helena Matos

(…) Mas lastimável porquê? A reportagem era uma sóbria e exaustiva descrição de factos. O que está por trás deste "lastimável" usado pelo primeiro-ministro ou das teorizações sobre o "jornalismo de sarjeta" feitas pelo ministro Santos Silva são concepções da comunicação social como factor de desestabilização. Isto nada tem de novo. Antes pelo contrário, este retrato da comunicação social é talvez o denominador mais comum a todos os grupos sociais, políticos e económicos ao longo de todo o século XX.E sobretudo a maior parte dos portugueses, políticos e não políticos, continuam a identificar-se com declarações como a seguinte, feita por Salazar, em 1937, ao escritor francês Max Fischer, que o interrogara sobre a censura:
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"Essa impressão de asfixia que se sente, quando um homem, por uma razão qualquer, se lembra de pôr-nos a mão na boca, é horrorosa! Nunca tolerarei que a censura barre o caminho a estudos de ciência, obras de arte, filosofia ou literatura (com excepção, naturalmente, de livros voluntariamente imorais ou pornográficos)."
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(...) Mas é preciso não pensar em conceder a mesma licença a certas estreitas discussões políticas e libelos e polémicas, nas quais as injúrias substituem os argumentos."Adapte-se a linguagem aos dias de hoje, não se diga quem é o autor da frase e muito boa gente assinaria por baixo."

Como é óbvio, o poder raramente se interessa pelas publicações mais marginais e até convive bem com a chamada imprensa sensacionalista ou popular. As notícias só o são de facto quando chegam ao chamado jornalismo de referência.
(…)
O problema não é que o Tal & Qual revele, como revelou, que na Casa Pia se praticavam abusos sobre os menores ou que os jornalistas do Tal & Qual escrevam que no arquivo Mitrokhin existem referências a políticos portugueses de vários quadrantes que transmitiram informações aos serviços secretos soviéticos, até 1984, a troco de dinheiro e favores sexuais.
O problema é quando esses assuntos chegam às capas do designado jornalismo de referência.
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(…) Na imprensa de referência só se assaltam bancos. Não se assaltam pessoas. Só morrem modelos por anorexia. Jamais se fala dos taxistas que levam facadas... E, claro, não se investiga o currículo de um líder mas enchem-se páginas com as guerras pela liderança de qualquer distrital partidária. Realmente é lastimável!

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