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22 janeiro 2007

Fiamma Hasse Pais Brandão

15 de Agosto de 1938 / 19 de Janeiro de 2007

Fiamma Hasse Pais Brandão Público Digital

Chamou-me a atenção o nome pouco comum da autora.
Entre 1954 e 1956, talvez mais tarde, o Diário Popular, - que líamos à tardinha depois das aulas, por entre uns “abatanados” clarinhos e uns bolos de arroz na Pastelaria Cister, em frente da Faculdade de Ciências, na Politécnica -, publicava na penúltima página um pequeno conto de autor variável… Curto como convinha a quem tinha pouco tempo para perder.
Uma tarde dessas dei comigo a ler um conto de uma autora cujo nome achei esquisito: Fiamma Hasse Pais Brandão.

Fiamma faleceu ao princípio da noite da última sexta-feira, dia 19 de Janeiro.

Dela escreveu ontem no Público, Alexandra Lucas Coelho:

Serena, mas com a fúria de uma Ana Magnani ou da padeira de Aljubarrota. Inscrevia-se num "poema ininterrupto" desde a Idade Média. Tinha um conhecimento raro do que a precedia. É uma das vozes mais plenas e radicais da poesia portuguesa do século XX
.
“Mas o que há neste nome disse-o Eduardo Lourenço. Se a poesia é "a palavra infinita" que alude à matéria "sem jamais a poder colher", "a de Fiama, como um milagre, é a rosa mesma da realidade como uma chama" - "A que o seu nome mágico a predestinava."
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Nascida a 15 de Agosto de 1938, Fiama Hasse Pais Brandão, uma das vozes mais plenas e radicais da poesia portuguesa do século XX, também dramaturga, ficcionista, ensaísta e tradutora, morreu ao princípio da noite de sexta-feira numa casa de repouso-clínica em Algés. Tinha a doença de Parkinson, acelerada por uma fractura há seis anos. Nos últimos tempos já não comunicava.”

A Obra Breve de Fiama termina em Agosto de 2000 junto ao mar do Algarve, com estes versos:
"Hoje,
meu dia, o coração e o dia rejubilam
."
(provavelmente no dia em que fez anos...)
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Foi no último Verão de praia, ao lado de Gastão Cruz, poeta, ensaísta, primeiro marido, pai dos seus dois filhos e cúmplice até ao fim.
Conheceram-se na Faculdade de Letras de Lisboa no fim dos anos 50.
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(…) Ela andara na St. Julliard School, onde Paula Rego foi uma das suas primeiras amigas. Havia sido uma brilhante aluna de liceu, de ganhar prémios nacionais.
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Na faculdade (que nunca chegou a acabar), opta por Germânicas. A aventura poética começa em partilha. Publica o seu primeiro livro, Morfismos, na colectânea Poesia 61, que inclui Luiza Neto Jorge, Casimiro de Brito, Maria Teresa Horta e Gastão Cruz.
(…)
O ano seguinte é das greves estudantis, com centenas de estudantes presos, incluindo a serena Fiama. Serena mas segura, recorda Veiga Ferreira: "Uma PIDE chamada Madalena despejou-lhe a mala e ela disse-lhe: "Agora volte a pôr tudo lá dentro." Impunha a autoridade de uma forma veemente."E irritava-se", "um verbo que lhe vai bem", diz Jorge Silva Melo, que a conheceu anos depois. "Uma vez fui agredido por um colega no átrio da faculdade e ela veio desembestada, queria bater-lhe". Tinha aquele ar de senhora frágil, simbolista do fim do século XIX, mas era uma mulher de armas.

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DOIS POEMAS

Natureza morta com louvadeus
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Foi o último hóspede a sentar-se
o topo da mesa, já depois do martírio.
As asas magníficas haviam-lhe sido quebradas
por algum vento. Perdera o rumo
sobre a película cintilante de água
no riacho parado. Tal como poisou
junto de nós, com o belo corpo magro
arquejante, lembrava, ainda segundo o seu nome,
um santo mártir. Enquanto meditávamos,
a morte sobreveio, e a pequena criatura,
que viera partilhar a nossa mesa,
depois de ter sido banida das águas
foi banida da terra. Alguém pegou
no volúvel alado corpo morto
abandonado sem nexo na brancura da toalha
- que maculava -
e o atirou para qualquer arbusto raro
que o poeta ainda pôde fotografar.
.
Fiama Hasse Pais Brandão,
em Três Rostos, 1989
.
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Os grous?
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As viagens separam-nos do passado.
Se apenas viajássemos como grous,
sem reconhecer as nações debaixo da quilha do nosso esterno,
se não trocássemos os idiomas e as unhas
com os habitantes das novas geografias,
seríamos nós. Porque o idioma
é fechado e insondável em cada criatura,
porque cada nação é o berço de uma língua
e os meus poemas noutra língua não são meus.
Quando viajamos no mundo não sabemos quem fomos.
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Fiama Hasse Pais Brandão,
em Cenas Vivas, 2000
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(apontamentos retirados de Alexandra Lucas Coelho,
na edição digital do “Público” de 21.01.2007
que ontem não chegou a Setúbal…
Teria havido alguma “bronca”?!...)

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